Tive a grande sorte de ir a trabalho para Belém do Pará, ou seja, passagem e hotel tudo na faixa. Cheguei eu e meu chefe na segunda-feira à noite, não deu tempo de sair, já era quase de madrugada, e teríamos que dormir cedo pois terça-feira logo cedo já teríamos que estar no cliente. Pois então, chegando no cliente, em uma das salas de reunião, já tinha uma vista muito bonita para um rio bem maior do que estamos acostumados a ver por aqui.
Na hora do almoço, o pessoal do cliente nos levou para almoçar no distrito de Icoaraci, onde tem uma bela orla, mas sem praia, com quiosques e restaurantes interessantes, um lugar interessante para passar nas férias. Em uma das fotos eu apareço com gravata, nem combina com o lugar e o calor.
Essa foto é do nome de um motel que eu achei muito engraçado.
À noite fomos passear na Estação das Docas. Uma idéia sensacional, reaproveitar a região do porto, que geralmente é a parte mais suja e perigosa da cidade, reformar e fazer uma região turística, com restaurantes bacanas e passeios de barco, inclusive noturnos, dizem que foi feito assim também em Buenos Aires.
Esta é a vista que eu tinha da janela do meu hotel.
Mais fotos do rio que dava pra ver da empresa.
Todas as ruas e avenidas na cidade são planas como esta.
Na noite seguinte, quarta-feira, fomos na Casa das Onze Janelas, que faz parte do Complexo Lusitânia Feliz, outra idéia muito boa, pois deram uma boa restaurada nos prédios históricos e deixaram bem turístico, algo que deveria ser feito na cidade de São Paulo. Nos fundos da Casa das Onze Janelas, também tem vista para o rio, e um grande navio parado ali.
Na quinta-feira fui provar o famoso tacacá! Falei pro taxista da empresa que eu queria provar o tacacá, ele disse que iria me levar no melhor da cidade, o Vileta! Comentei que no guia falava do tal Tacacá da Dona Maria, ele me disse: “não acredite, o do Vileta é bem melhor”. No que ele estava certo, depois fui provar o da Dona Maria e não chegava aos pés do Vileta. É costume em Belém, depois da tradicional chuva da tarde, que dá aquela refrescada na cidade, que é bem quente, o pessoal vai tomar o tacacá!
O Vileta é uma barraca de rua, e estava bem lotado o lugar, pega-se a ficha no caixa, que tem alguns pastéizinhos pra vender, 1 real cada um. Resolvi provar o pastel e… que delícia!!! Um dos melhores pastéis que já provei! Muito sequinho e crocante e o recheio de carne estava bem saboroso.
Com a ficha fui pedir o tacacá, pedem pra escolher se quer com pimenta ou sem pimenta. Pedi com pimenta, mas não era nada exagerado não. O tacacá é uma das comidas mais curiosas que já comi: é feito de tucupi, que é o caldo da mandioca brava deixado descansar alguns dias (por causa de seu veneno), camarão e folhas de jambu, além de goma de mandioca. Muito saboroso, com sabor meio ácido, e o efeito mais louco, que não sei se é por causa do tucupi ou por causa do jambu: a boca adormece(!), como se fosse anestesia de dentista! Muito louco!
Quinta-feira eu fui fazer um passeio mais power e que eu estava muito ansioso pra conhecer: as famosas festas de aparelhagem de TECNO-BREGA!!! Um estilo muito doido, que é meio que uma mistura de sons de tecno, dance, poperô, com a batida típica do brega e do calypso, duas batidas na caixa, uma batida na caixa, e vocais quase sempre femininos num estilo que geralmente lembra a banda Calypso. Os timbres eletrônicos usados são mais ousados do que se vê, geralmente, na música popular do resto do Brasil, inclusive em parte porque quase tudo no tecno-brega é feito de maneira independente, sem uma grande gravadora por trás. Os artistas inclusive incentivam a “pirataria” por parte dos camelôs, pois sabem que aquilo servirá para divulgar seu trabalho e ele ficar mais conhecido.
Fiz amizade com um vendedor lá na empresa do cliente que curte bastante o tecno-brega, o Shirlon, gente fina. Aí na quinta-feira ele me levou ao Quarup, estava tendo uma balada muito legal de tecno-brega com o Lidersom, de Icoaraci. Onde os djs ficam parece uma nave especial, toda cheia de luzes, e eles costumam falar bastante no meio das músicas, agradecendo, mandando abraços, agitando a galera. O Shirlon conhecia o DJ, aí o DJ começou a falar: “um abraço aí pro Marcelo de São Paulo que veio aqui pra Belém e está curtindo nossa festa”, e aí teve uma hora que o DJ me chamou pra subir lá na “nave”, aí fiquei lá acenando pro pessoal, fazendo o L com os dedos, pois é costume, nas festas, o pessoal fazer com os dedos a letra inicial do nome da festa. Superpop o pessoal faz o S, no Príncipe Negro o pessoal faz o P e por aí vai.
Tinha uma moreninha que eu estava de olho desde o começo da festa, e ela retribuía os olhares, depois que eu subi lá então, logo depois que eu desci, olhei um pouco pra ela, daqui a pouco já estávamos dançando juntos e nos beijando.
Um lance muito louco e muito legal que tem por lá, é que o pessoal geralmente compra pacotes fechados de latas de cerveja, e deixam um balde de gelo na mesa. Tinha uma mesa que tinha 5 pacotes!!! O pessoal lá bebe cerveja demais nas festas! Era mais ou menos três horas da manhã, e eu tomando cerveja pra caramba e com a garota sentada no meu colo, quando o meu amigo veio perguntar se eu já queria ir embora, falei que iria ficar mais um pouco, ele me avisou pra tomar cuidado, pra ficar ligado, mas eu estava ligado, apesar de tanta cerveja. Quando deu umas 5 e meia da manhã, saímos da festa e fomos tomar um tacacá lá no lado de fora. Tomamos um táxi, e fiquei em dúvida se levava a garota pro hotel. A vontade era grande, mas precisava estar umas 8 e meia da manhã no cliente. Resolvi deixar pro dia seguinte o encontro com ela, o que infelizmente acabou não acontecendo.
Na sexta-feira fui trabalhar logo cedo, mas eu estava só o bagaço. Com tanta cerveja na barriga, comecei a sentir aquele revertério, quando então não aguentei e fui chamar o hugo lá no banheiro da empresa, vomitei tudo e melhorei. Agora só precisava lutar contra o sono, imenso, e ainda tinha que resolver um problema muito chato que não conseguia identificar, como fazer upload de arquivos num lance de Sharepoint muito doido que fizeram lá. Infelizmente saí de lá sem conseguir resolver o problema.
Na sexta-feira, que era dia de me despedir do pessoal da empresa, que estendendo também às outras pessoas que conheci em Belém, me trataram muito bem. Tinha uma mulher que disse pra avisar a próxima vez que eu fosse pra Belém, pois ela cria patos em sua casa e ela me cozinharia um pato no tucupi!
Você veja que beleza! Os jovens lá curtem tecno-brega e os mais velhos curtem brega antigo! Liguei o rádio no hotel e que estava tocando? BARTÔ GALENO!!! Sensacional! Estava no lugar certo! Feliz como um pinto no lixo! Os taxistas geralmente tinham umas coletâneas boas com brega de raiz! Um taxista lá me falou o nome pitoresco com que eles chamam as raparigas por lá: CACETEIRA! Não poderia haver nome que as descrevessem melhor!
Na sexta-feira, apesar de estar detonado por causa da festa de quinta, sabia que não poderia deixar de aproveitar a noite paraense! O Superpop é conhecido por ser a melhor festa de aparelhagem de Belém, só que eles estavam tocando em um lugar não muito bom, e realmente, era um lugar mais de periferia, mais humilde, quase um galpão. Era um pouco sinistro, mas nada muito preocupante. Era interessante que as tiazinhas, mulheres de 40, 50 anos olhavam na cara larga e ficavam quase chamando.
Depois fomos para uma verdadeira jornada pelas festas de Belém. Fomos em várias festas, e impressionante como mesmo na festa mais humilde, que eram montadas muitas vezes no que parecia ser a garagem das casas, o som sempre era bom pra caramba, com grandes caixas de som e muitos graves e agudos!
Cheguei no hotel era mais ou menos 6 horas da manhã, e às 8 um outro cara lá da empresa iria passar lá pra levar pra eu conhecer alguns outros pontos turísticos da cidade. O cara ligou, me falando uma desculpa, pois teria que resolver outros problemas. Porém, resolvi aproveitar pois era meu último dia na cidade, apesar de estar quase sem dormir a duas noites, só alguns cochilos.
No sábado de manhã fui no Mercado Ver-o-Peso, onde tem muitos daqueles perfumes paraenses com nomes muito criativos: “chora-aos-meus-pés”, “vence-batalha”, “amansa-corno”, “comigo-ninguém-pode”, perfume pra mulher passar na vagina pra chamar homem, perfume do boto, que tem um pedaço do pênis do boto, que o homem tem que passar no seu próprio pênis, que aí vai chamar mulher, além dos tradicionais patchouli, priprioca, e por aí vai.
No Ver-o-Peso também tem muitos sucos e polpas das mais diferentes frutas: cupuaçu, umbu, açaí, siriguela, cajá, etc. Muitas lembranças pra comprar, muitas garrafas de tucupi, preparados pra fazer maniçoba, uma espécie de feijoada paraense. Muitos peixes.
À tardezinha fui no Jardim Botânico da cidade, que é um grande quarteirão com mata nativa da Floresta Amazônica. Ao andar por ele percebe-se nitidamente a diferença entre a Mata Atlântica e a Floresta Amazônica, muito mais fechada. Lá dentro tive a sorte de encontrar um bicho-preguiça! Esse bicho sabe viver… hehehehe. Tive até a oportunidade de tirar uma foto segurando o bicho. Além disso, também tinha um peixe-boi e um papagaio que assobiava… o Hino Nacional!!! Esse sim é um papagaio patriota!
Depois fui passear nos museus do complexo Feliz Lusitânia, e alguns próximo dali também, que refletem bem o esplendor de uma época, quando se vivia o auge do ciclo da borracha. Belém e Manaus eram as cidades mais desenvolvidas do Brasil, a capital do Brasil estava quase se mudando para Belém, quando de repente o preço da borracha despencou, e nunca mais a região voltou a ser o que era antes. Num destes museus, li a ótima carta que Mário de Andrade escreveu para Manuel Bandeira a respeito do quanto ele havia gostado de Belém, e eu também estava gostando muito de Belém:
“Manu,
Estamos numa paradinha pra cortar canarana da margem pros bois de nossos jantares. Amanhã se chega em Manaus e não sei que mais coisas bonitas enxergarei por este mundo de águas. Porém me conquistar mesmo a ponto de ficar doendo no desejo, só Belém me conquistou assim. Meu único ideal de agora em diante é passar uns meses morando no Grande Hotel de Belém. O direito de sentar naquela terrace em frente das mangueiras tapando o teatro da Paz, sentar sem mais nada, chupitando um sorvete de cupuaçu, de açaí. Você que conhece mundo, conhece coisa milhor do que isso, Manu?(…) Belém eu desejo com dor, desejo como se deseja sexualmente, palavra. Não tenho medo de parecer anormal pra você, por isso que conto esta confissão esquisita mas verdadeira que faço de vida sexual e vida em Belém. Quero Belém como se quer um amor. É inconcebível o amor que Belém despertou em mim…
Um abraço do Mário.”
Mais tarde, eu estava sentado na Praça da República, que é onde fica o Teatro da Paz, tomando uma água de coco deliciosa, geladinha, uma das mais gostosas que eu tomei, bebi três em sequência, só bebendo e descansando. Aí percebendo como Belém parece uma grande cidade do interior, o pessoal na praça, tranquilo. E lembrando daquela carta de Mário de Andrade. Quanto ao Grand Hotel de Belém, fizeram um grande crime ao patrimônio cultural: demoliram pra construir um hotel de rede convencional.
Teatro da Paz
Como despedida da cidade, fui na estação das Docas contemplar aquele rio gigante, que não dava pra ver a outra margem.
Arroz, pato no tucupi e farinha d'água
Arroz, jambu e tucupi
Molho de pimenta
Sobremesa com brownie quente, crocante e sorvete de buriti, uma fruta muito saborosa
Aqui sou eu comendo um pato no tucupi na Estação das Docas.
Aí então, peguei o avião de volta pra São Paulo, por volta de 3 da madrugada.